Filosofia do possível

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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

PARTE III - O FRUTO PROIBIDO


O MITO DO PECADO ORIGINAL

“O GÊNESIS DA CONVALESCÊNCIA DA HUMANIDADE”

 

PARTE III
 
O FRUTO PROIBIDO

 


            Aconteceu no Paraíso um fato terrível, catastrófico e surpreendente que revolveu e revolucionou toda a história da humanidade. Ao morder-se a maçã, ao desrespeitar inexplicavelmente uma ordem superior, o pai virou carrasco, o amor se transfigurou em vingança e ódio, a harmonia se transformou em conflito e, de uma hora para outra, a paz e a concórdia deixaram de reinar. Tudo por culpa da desobediência irresponsável de uma de suas partes constituintes; nesse caso, nós os seres humanos.

            A partir dessa transgressão apareceram características até então adormecidas e inimagináveis num mundo ideal e perfeito. Nasceram a curiosidade, a indiscrição e a mentira. E todas essas coisas se concretizaram de repente, do nada, instantaneamente, sem nenhuma explicação plausível, cuidado ou precaução. Uma catástrofe brusca, bruta e traumatizante. Éramos uma coisa e imediatamente após um ato nos transformamos em outra totalmente diferente.

            Depois desse acontecimento, o homem passou a levar uma vida errante, penosa e sem finalidades claras. Em função de seu delito, foi castigado, fadado ao exílio e ao sofrimento.

            Sob a pena desse fatídico veredicto, nossa vida foi piorando gradativamente. Fomos expulsos, rebaixados e, com isso, perdemos o rumo e o sentido da existência. Viramos réus suspeitos, pecadores imorais, traidores fracos, desprezíveis e descartáveis. Perdemos todas as benesses e vantagens edênicas; “ganhamos” com nossa escolha impensada e indiscreta, uma pesada autonomia e certa independência que nos obrigou, ‘para sempre’, a lutar pela sobrevivência como párias.

            Concordando ou não com a veracidade desse mito, é sob esse jugo maldito que passamos a existir desde então. Sempre pedindo desculpas, sempre procurando a aprovação divina, sempre cabisbaixos e com a consciência pesada; bípedes rastejantes buscando, apenas e tão somente, serem perdoados e agraciados, quiçá um dia, com o sonhado retorno ao “Paraíso perdido”.

 

 

ADEUS AO PARAÍSO

 

            A alegoria do Pecado Original, como já salientamos anteriormente, tomou uma direção contrária e inesperada em seu ritmo natural. Esse desacordo sempre nos chocou e nos surpreendeu pela falta de nexo, coerência e total reviravolta que tal narrativa causou em nosso destino e na nossa compreensão do todo.

            Essa surpresa traumatizante sentida por nós pode ser entendida sob uma perspectiva crítica e questionadora acerca dos verdadeiros objetivos que o geraram. Só conhecendo os motivos causadores de tais contradições é que podemos ter uma visão mais clara e ampla dessa situação.

            O mito bíblico ficou incoerente no momento em que foram adicionados sentimentos e condições que negavam completamente toda a estruturação daquilo que pretende ser um mundo perfeito e ideal.

            Esses momentos podem ser facilmente verificados através dos seguintes questionamentos:

            Como pode haver um fruto proibido num mundo livre, perfeito e ideal?

            Como num mundo harmonioso, homogêneo e integrado uma parte pode ser destacada e ficar inacessível às demais?

            Como ordens até então seguidas regiamente, num instante passam a ser desrespeitadas e desobedecidas por integrantes fiéis e inocentes desse todo?

            Como o homem, estando pleno e realizado, pôde ansiar e ser tentado por algo?

            Como de um criador perfeito e divino pode nascer à imperfeição com todos os seus males e desvios?

            E, como pode existir o “além” do Paraíso, se este era pleno, perfeito e completo?

            Essas indagações incitam uma observação mais atenta e apurada acerca das incongruências lógicas que compõem o mito. E essas incongruências não foram resultado de um fato verdadeiro, mas, antes, de algo proposital, tendo como finalidade criar o caos e a confusão na cabeça dos homens.

            Quando você perde o rumo, se sente num labirinto, fica totalmente à mercê da situação. Fica frágil, indefeso e inteiramente cego perante o futuro. Isso nos imobiliza e nos causa um temor estagnante. Essa condição é efeito de um passado mal resolvido. Essa falta de clareza acerca das reminiscências cria uma ausência de identidade que termina por deixar as pessoas reféns de qualquer tipo de esperanças, verdadeiras ou não. Daí se origina a possibilidade da formulação de esquematizações que ocupem o vácuo deixado pelo passado mal compreendido, resultados de mitos obsoletos, construídos com o objetivo do condicionamento e da manipulação da espécie. É exatamente essa bagunça que o sistema busca causar através do mito do Pecado Original. O que restou para a humanidade: culpa, incompreensão, dúvidas e insatisfação.

            Nas próximas postagens continuaremos a análise do Mito do Pecado Original.

 

Abraços

Fernando Manarim

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