Filosofia do possível

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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PARTE IV - A DIVINIZAÇÃO DO SISTEMA


DIVINIZAÇÃO DO SISTEMA

 

          Uma das principais mensagens deixada pelo Pecado Original foi de nos apresentar o criador como um autor falível, limítrofe e errático. Que mesmo com toda a sua pujança, domínio e autoridade era, simultaneamente, capaz de realizar atos atrozes, duvidosos e surreais em relação à sua própria autoria.
 
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          Mas como um ser onipotente, onisciente e onipresente, responsável por tamanha obra, pode ser ao mesmo tempo relapso, disperso e desatento com o todo?

          Fica claro constatar que tal acontecimento é falho, absurdo e impossível, pois não existe a menor probabilidade de que do perfeito nasça do imperfeito, que do infinito se origine o finito e que do justo emerja o injusto.

          Então, por que o criador nos foi apresentado de forma tão disforme e monstruosa? Qual o verdadeiro motivo para tamanha falácia e descaracterização?

          Sem dúvida, um dos principais objetivos visados era o de apresentar o criador como algo análogo ao sistema. Ele o refletiria e o representaria através de sua constituição; seria sua “imagem e semelhança”.

          Por isso o Deus que adoramos não é aquele que criou o Paraíso, mas, uma mera cópia esboçada do próprio sistema: falível, vingativo, violento, rígido e castrador; que sempre “escreve certo por linhas tortas”. Este criador é mais um instrumento desenvolvido para a manutenção da hegemonia do sistema sobre o ser humano e nada mais.

          Tanto isso é verdade que a partir desse mito, o ser humano passou a viver apenas e tão somente para alimentar, servir e sustentar o sistema; e não o contrário, algo mais lógico e plausível. Foi através do mito, que essa inversão foi inculcada, estabelecida e legitimada como única história oficial e verdadeira.

          Com a imposição de tal engodo as coisas atingiram um patamar mais importante que o ser; a parte passou a imperar sobre o todo e este passou a existir em função de realizar os desejos de determinada parte mal direcionada e esquizofrênica.

          Pelo menos assim nos foi apresentado o Pecado Original: marco inicial e divisório do surgimento de um novo tempo, onde o sistema se transformou em soberano de tudo e de todos.

          Compartilho do pressuposto que o Mito do Pecado Original foi gestado com a intenção prioritária e subliminar de amoldar, propagar e exaltar a idéia do sistema como verdadeiro e único Deus da humanidade. E é dentro dessa distorção ditatorial-monoteísta, dessa aversão metódica de subjugar o homem a segundo plano, que proponho uma releitura do mito baseado na constituição, desenvolvimento e objetivo desse sobejado sistema que aqui se expõe e se evidencia de maneira metafórica.
 
 

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          O primeiro ponto a ser destacado e observado atentamente é a parte referente à culpabilidade da mulher na expulsão da espécie humana do Paraíso; isso pelo fato de ter mordido primeiramente o fruto proibido e, por conseguinte, ter seduzido propositalmente o homem a cometer o mesmo crime e sofrer das mesmas penas e punições.

           Assim, o primeiro e maior dos delitos foi creditado quase que exclusivamente ao gênero feminino. E tal denuncia ocorreu antes mesmo de ter-se consciência da existência de tal divisão entre os sexos.
 

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          É como se imputássemos a alcunha de ladrão a alguém antes mesmo de haver aparecido o conceito de propriedade; que designássemos qualquer um de mentiroso antes mesmo de existir a concepção de verdade. Algo inverossímil, ilógico e cruel por antecipar o inexistente e o impossível. Artifício típico engendrado e utilizado pelo sistema para fixar determinado padrão para sua total realização.

          Algo leviano, covarde e manipulatório por direcionar as pessoas a crerem fervorosamente em aberrações fantasiosas com o objetivo de distorcer e pré-determinar assertivas irreais e especulativas que nada tem a ver com a realidade dos seres e do todo. Quimeras e caprichos inventariados e desenvolvidos pelo sistema com o intuito único e exclusivo de sua eternização no poder.

          Por causa dessa acusação injusta e infundada, a mulher foi relegada a um segundo plano; destinada a uma existência subserviente e servil, acompanhando e auxiliando silenciosamente na penumbra o homem, primogênito eleito e preferido do Deus-Sistema, responsável, entre outros tantos feitos, pelo surgimento da mulher.

          Ao assumirem tal culpa as mulheres pagaram um preço muito alto, pois passaram por diversos martírios e flagelos “divinos”, com o objetivo penal de purgamento para sua redenção e salvação.

          Como apontar a culpabilidade a um dos gêneros humanos se no Paraíso tudo era harmônico, perfeito e justo? Como acusar a mulher de tal delito, se até então não existia nenhum tipo de subdivisão na espécie humana? Qual o verdadeiro motivo por trás da imolação da mulher como principal “bode expiatório” da história? Como julgar a parte se o criador, único responsável pela construção do todo, permitiu tal desvio de conduta?

          É óbvio que tal estória foi concebida única e exclusivamente para adequar e condicionar à humanidade a estrutura forjada pelo sistema. Todo o mito do Pecado Original foi um projeto arquitetado para justificar e explicar todos os erros e acertos, mandos e desmandos, privilégios e injustiças que sustentam toda a divisão social e toda hierarquia de valores inculcados à nossa espécie.

          Toda essa alegoria bíblica foi construída para a deusificação e divinização do sistema; para acatarmos e aceitarmos todos os seus pontos como verdades infalíveis e inquestionáveis. Para que concordemos com todos os preconceitos e pré-julgamentos sociais, raciais, sexuais e culturais sustentados e realizados cotidianamente através de nossas ações e atos conveniados com toda essa estrutura imoral, superficial, artificial e injusta que nos agride, nos violenta e nos nega em toda nossa substancialidade natural de ser humano.

          Eis o verdadeiro motivo de toda essa discriminação que o gênero feminino vem sofrendo desde então: uma discriminação fabricada, mantida e imposta à espécie humana, independente da sua vontade; que acaba por nos separar e nos cindir, fazendo com que passemos nossa vida em constante contradição com nossa verdadeira natureza e com o todo em geral.

          Na próxima postagem abordaremos o segundo ponto a ser atacado e aviltado pelo mito do Pecado Original, que é a discriminação ao conhecimento.

 

 

 

 

Abraços!

Fernando Manarim

 

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