EVA E A SERPENTE: ONDE TUDO
COMEÇOU...
PARTE FINAL
Como vimos anteriormente, Eva era
uma personagem quase figurativa, sempre acompanhando Adão, único papel para que
foi criada. Mas, com o veto divino proibindo-os de deglutir o fruto da árvore
do conhecimento, ocorreu uma reviravolta radical sobre todo o enredo da trama.
Esse revés radical, transfigurou toda a compreensão acerca do mundo Edênico,
pois revelou um componente que até então Adão e Eva não tinham ciência. Revelou
que aquele lugar que eles acreditavam ser um Paraíso, algo homogêneo, coeso e
uniforme, era, na realidade, um mundo dicotômico, ramificado e bipartido.
Existiam gradações, escalas, hierarquias e onde existem distinções existem
privilégios, vantagens, regalias e algumas exclusividades que discriminam e
favorecem pessoas e grupos em detrimento de outros, um mundo que conhecemos
muito bem. Logo, tudo um grande engodo programado nas mentes subjugadas de Adão
e Eva, verdadeira obra realizada pelo “Criador Divino”, para com isso poder
docilizar e escraviza-los a seu bel-prazer. Eis a verdadeira razão de ser das doutrinas,
especialmente, as religiosas, que lobotomizam fundamentalmente seus seguidores
para poder subjuga-los e explorá-los sob todos os sentidos, ovelhas passivas de
um rebanho de pastores tiranos, ”prestidigitadores”, ambiciosos de poder e
riquezas. Verdadeira razão pela qual ser sempre o conhecimento seu principal
inimigo, por iluminar as mentes e, com isso, desvendar os verdadeiros
interesses por trás dessas “sagradas” alegorias.
Com esse novo fato, os autores do
Mito do Pecado Original precisavam de um bode expiatório para poder manter a imagem
do Criador limpa, imaculada e, para tanto, articularam uma saída para desviar o
olhar dos fiéis da constatação que o Paraíso nunca existiu realmente, algo que
destruiria todas suas mordomias e privilégios, conquistadas através desse
condicionamento induzido nas massas representado no Gênesis bíblico pelos
personagens de Adão e Eva, duas cobaias humanas sob a tutela desse “Deus judaico-cristão”.
Para a manutenção da farsa se tornou imperioso a criação de um culpado,
de um réu que suportasse toda a carga de pungimento e de expiação, que não alterasse
os objetivos visados, capaz de deslocar todas as atenções para ele, fazendo do
veto divino um ato de amor e não a comprovação da esquizofrenia humana,
justificando integralmente o novo rumo adotado pelos autores da alegoria.
Para isso, é criado um novo conceito, disparatado, incoerente e abstruso,
capaz de salvaguardar todas as “verdades divinas” apresentadas. Surge o
conceito do livre-arbítrio. Conceito que faz do homem sujeito de seu próprio
destino, ganhando autonomia e
independência como se ele estivesse pronto para tal responsabilidade, como se
fosse possível para uma criatura ser independente e senhor do seu destino, e
toda essa emancipação e liberdade brotando do nada, da mesma forma que surgiu o
veto divino do fruto proibido, sem nenhuma lógica, sem nenhuma ligação anterior
com o enredo da estória até aquele momento, mais um “milagre divino”, mais um
reparo tosco e indelicado para a manipulação das mentes humanas.
Depois de todos esses remendos grosseiros e mal articulados, os autores conseguiram
criar um expediente, uma saída, podendo a partir desses elementos, concentrar
toda a culpa, principalmente, sob os ombros de Eva, personagem escolhida para
ser achincalhada e ridicularizada, desde aquele momento. Aqui o Mito deixa
claro seu objetivo de rebaixar o gênero feminino, colocando-o numa posição torpe,
indigna e subalterna. Eva ganha o status de protagonista do mal, a grande culpada
por tudo o que ocorreu na história da humanidade, responsável pela queda dos
seres humanos num mundo dicotomizado e bipartido, mundo onde passamos a viver
uma existência com sofrimentos e dissabores.
Nasce a primeira grande vilã, marca que acompanhará o sexo feminino,
tipificação responsável por toda essa vitimização do feminino no mundo
ocidental pós antiguidade clássica.
O Mito do Pecado Original explicita que o mundo está cindido em dois
lados: o bem e o mal. O Bem, lado do Deus judaico-cristão, tem como seu
herdeiro único Adão, concebido diretamente do Criador, sua imagem e semelhança.
É o caminho que se deve seguir para ser salvo. E subliminarmente, segundo os
autores da Alegoria, o gênero masculino por ser descendente direto do Pai
Divino, já têm na sua natureza o lado do Bem, sendo por isso um caminho
natural, mais fácil de ele atingir a salvação.
Já Eva, primeira representante do gênero feminino, por ter nascido de
Adão e não diretamente do Criador divino, não tem essa mesma ligação com Deus,
o que faz com que leve uma certa desvantagem em relação a Adão. Por isso, Eva
será a primeira a desobedecer às ordens divinas, eis a mensagem legada pelo
Mito. Isso, naturalmente, fez com que se olhasse o gênero feminino como um ser ínfero,
resultando na maneira como a mulher passou a ser tratada na sociedade ocidental
sob o domínio da religião judia e cristã.
Além disso, mesmo sabendo da proibição, Eva preferiu escutar a Serpente
da árvore, mordendo a maça proibida. Dessa forma, se Adão era discípulo do
Criador, ao obedecer a Serpente, Eva se transformava em discípula da Serpente,
uma das figuras representativas com que se simboliza o demônio, do lado do mal,
reiterando a ideia de atrelar o gênero feminino ao mal, ao pecado e a
imoralidade.
Mas, como nada é perfeito, se observarmos essa estória de maneira mais
imparcial, é possível verificar que enquanto o Deus monoteísta judaico-cristão
é o mestre de Adão, do gênero masculino, esse ditador tirânico e cruel, que
subjuga e distorce a realidade quando quer e bem entende, transformando Adão
num fiel inconsciente e cego seguidor de suas ordens. Eva, tem como mestre a
Serpente da Árvore do Conhecimento, que nada impõe, mas antes instrui e
convence, fazendo com que aquele que atinge o conhecimento possa ser soberano e
responsável por suas escolhas, por suas verdades e construtor de seu destino,
podendo ver a realidade com outros olhos e sob outro ângulo que não o imposto
pelo manipulador. Logo, quem nos liberta do jugo violento e opressor à que estávamos
confinados será Eva que, ao nos fazer morder o fruto proibido, nos tirará do
êxtase esquizofrênico e letárgico em que estávamos presos, nos fazendo “cair”
na realidade. É ela que, após atingir o conhecimento, reconhecendo a verdadeira
situação que estava submetida, auxilia Adão a perceber a realidade a que estava
subjugado, gerando a possibilidade de Adão se libertar do jugo “divino”.
Eva será a primeira a atingir o conhecimento, recuperando sua consciência
acerca de sua real situação naquele momento. Eis a principal razão de tanta ojeriza
e rancor contra o gênero feminino, responsável pelo início de toda a
vitimização feminina que estamos abordando nessa série de postagens.
Na próxima postagem, mostraremos através do conto “Branca de Neve e os
Sete Anões”, em sua versão mais conhecida, o desenho de Walt Disney, como esse
rebaixamento a uma personificação de segunda categoria é desenvolvida através
dessa fábula tão popular, ingênua e pueril, exigindo todo um enquadramento do
gênero feminino, iniciado, como vimos, no Mito do Pecado Original.
Até a próxima!
FERNANDO
MANARIM