EVA E A SERPENTE: ONDE
TUDO COMEÇOU...
PARTE I
Como já foi aludido em postagens
anteriores, o Mito do Pecado Original oculta por trás de sua “verdade divina”,
interesses pessoais que tem como objetivo principal o enquadramento da
sociedade sobre determinados ditames sócio-morais.
É através deste mito que passamos a
desenvolver sentimentos preconceituosos e pré-julgadores de valores dúbios e
duvidosos que nos cinde sob categorias imaginárias e enganosas com o intuito de
nos fazer acreditar que determinada raça é superior às demais por causa de um
pseudo-critério divino, segundo determinado autor, sem nenhum tipo de prova ou
constatação concreta a não ser a sua “palavra sagrada”, como se isso fosse a
coisa mais natural e justa do mundo. Algo bizarro e doentio, fruto de mentes
caluniosas, perversas e manipuladoras, que buscam privilégios e vantagens
eternizantes em prejuízo da grande maioria da humanidade.
Numa dessas premissas subliminares
que encontramos neste Mito destacamos a afirmação de que o gênero feminino é
uma espécie de ser humano de segunda categoria, de nível inferior, um tipo de
personagem coadjuvante, que por ser essa sua condição, por consequência, se
torna invejoso, vingativo e ardiloso, exercendo, na maioria das vezes, um
efeito nocivo para com o outro gênero humano, herdeiro direto e único do “Pai
Criador”.
Isso pode ser constatado em diversas
passagens do mito, onde tais considerações são apresentadas de maneira clara e
direta, sem nenhum tipo de reserva ou constrangimento por parte de seu autor.
Por que a mulher, desde a sua
criação, é descrita e caracterizada sobre tamanha discriminação preconceituosa?
Quais os motivos para um rebaixamento tão abissal só por causa de um gênero? O que
gerou tanto ódio por parte do escritor de tal mito, para retratar o sexo
feminino de maneira tão aviltante e maledicente, amaldiçoando seu destino,
desde então?
Sabemos que nada acontece por acaso
e que tudo que é recontado de geração à geração traz em seu bojo segundas
intenções. Eis o que ocorre com esse Mito da Criação, um texto recheado de
segundas intenções, sendo que uma das mais importantes é a de discriminar e de
desvalorizar o gênero feminino.
O primeiro ponto que iremos destacar
acerca dessa desvalorização da mulher no Mito é sobre a diferenciação no
tratamento, por parte do autor, que é dispensada para cada um dos gêneros humanos.
O gênero masculino, representado na trama pelo personagem de Adão, é concebido
como fruto direto da vontade divina do Criador. Já Eva, representando o
personagem do gênero feminino, deriva de uma costela de Adão, ou seja, é uma
cria da criatura, um ser de segunda linha. Assim, observamos que uma das
intenções que o autor do Gênesis já deixa explícita no texto é a condição e o
patamar de cada gênero na hierarquia criada pelo “Pai Todo-Poderoso”. Existe uma grande diferença entre o
primogênito e as demais crias. Isso é uma tradição até hoje. O primogênito sempre tem regalias que os
demais filhos não têm. Essa tradição, com certeza, é um reflexo direto desse
Mito, que é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores recursos doutrinários na
formação e no enquadramento do mundo ocidental.
Logo, sendo a mulher fruto de uma
parte insignificante de Adão, ela nos é caracterizada como um ser inferior,
menor. Aqui se inicia uma campanha de diminuição descriminalizante do gênero feminino
na história judaico-cristã ocidental.
Em segundo lugar, por Eva ter sido
gerada do homem, ela acaba por ser colocada numa posição hierárquica subalterna
de servidão, de submissão e de uma eterna dívida de gratidão para com o gênero masculino,
responsável pela sua criação. Por isso, o gênero feminino deve sempre se postar
resignada, obediente e respeitosamente para com aquele que lhe deu a
oportunidade da vida.
Essa maneira com que o mito é
narrado gera, novamente, um juízo de inferiorização e discriminação em relação
ao gênero feminino, por estar sempre com um sentimento de dívida para com o
sexo masculino, já que a forma como é contada a trama, sempre deixa a mulher
numa situação passiva, de inercia, postura típica de quem não faz parte da
realeza, que não é de sangue-azul, de súdito submisso e de vassalagem.
Além disso, toda vez que Deus entra
em contato com a raça humana no Paraíso, ele sempre se dirige única e
exclusivamente à Adão. Esse tratamento diferenciado escancara, no Mito, quem é
o filho pródigo, quem é o privilegiado, o preferido, algo que vai refletir em
toda nossa estrutura social na maneira como os gêneros masculino e feminino
serão organizados e referendados pela civilização ocidental pós-romana antiga.
É sob essa égide que fomos
condicionados, acostumados e doutrinados, um sustentáculo preconceituoso,
injusto e mentiroso, onde a diferença sexual gera um padrão para classificarmos
e identificarmos quem manda e quem obedece, quem manipula e quem é explorado,
quem pode regozijar e agradecer e quem deve sofrer, se resignar e se prostrar
por ser o grande algoz de toda a humanidade.
Eis a mensagem que esse Mito do Pecado
Original nos transmite, um mundo estruturado sobre preconceitos, discriminações,
abusos e injustiças, fruto de uma imaginação doentia e covarde de homens que por
alguma razão vil e cruel, decidiu como, onde e porque a sociedade deveria se
organizar em todos os sentidos.
Na próxima postagem continuaremos
essa abordagem acerca da vitimização do feminino no Mito da Criação, onde
trataremos da parte em que o fruto proibido é mordido e a Queda ocorre, sempre
focando nossa análise sobre a questão do gênero feminino e masculino.
Abraços
Fernando
Manarim