O MITO DO PECADO ORIGINAL
“O GÊNESIS DA CONVALESCÊNCIA DA HUMANIDADE”
PARTE III
O FRUTO PROIBIDO
Aconteceu no Paraíso um fato
terrível, catastrófico e surpreendente que revolveu e revolucionou toda a
história da humanidade. Ao morder-se a maçã, ao desrespeitar inexplicavelmente
uma ordem superior, o pai virou carrasco, o amor se transfigurou em vingança e
ódio, a harmonia se transformou em conflito e, de uma hora para outra, a paz e
a concórdia deixaram de reinar. Tudo por culpa da desobediência irresponsável
de uma de suas partes constituintes; nesse caso, nós os seres humanos.
A partir dessa transgressão
apareceram características até então adormecidas e inimagináveis num mundo
ideal e perfeito. Nasceram a curiosidade, a indiscrição e a mentira. E todas
essas coisas se concretizaram de repente, do nada, instantaneamente, sem
nenhuma explicação plausível, cuidado ou precaução. Uma catástrofe brusca,
bruta e traumatizante. Éramos uma coisa e imediatamente após um ato nos
transformamos em outra totalmente diferente.
Depois desse acontecimento, o homem
passou a levar uma vida errante, penosa e sem finalidades claras. Em função de
seu delito, foi castigado, fadado ao exílio e ao sofrimento.
Sob a pena desse fatídico veredicto,
nossa vida foi piorando gradativamente. Fomos expulsos, rebaixados e, com isso,
perdemos o rumo e o sentido da existência. Viramos réus suspeitos, pecadores
imorais, traidores fracos, desprezíveis e descartáveis. Perdemos todas as
benesses e vantagens edênicas; “ganhamos” com nossa escolha impensada e
indiscreta, uma pesada autonomia e certa independência que nos obrigou, ‘para
sempre’, a lutar pela sobrevivência como párias.
Concordando ou não com a veracidade
desse mito, é sob esse jugo maldito que passamos a existir desde então. Sempre
pedindo desculpas, sempre procurando a aprovação divina, sempre cabisbaixos e
com a consciência pesada; bípedes rastejantes buscando, apenas e tão somente,
serem perdoados e agraciados, quiçá um dia, com o sonhado retorno ao “Paraíso
perdido”.
ADEUS AO PARAÍSO
A alegoria do Pecado Original, como
já salientamos anteriormente, tomou uma direção contrária e inesperada em seu
ritmo natural. Esse desacordo sempre nos chocou e nos surpreendeu pela falta de
nexo, coerência e total reviravolta que tal narrativa causou em nosso destino e
na nossa compreensão do todo.
Essa surpresa traumatizante sentida
por nós pode ser entendida sob uma perspectiva crítica e questionadora acerca
dos verdadeiros objetivos que o geraram. Só conhecendo os motivos causadores de
tais contradições é que podemos ter uma visão mais clara e ampla dessa
situação.
O mito bíblico ficou incoerente no
momento em que foram adicionados sentimentos e condições que negavam
completamente toda a estruturação daquilo que pretende ser um mundo perfeito e
ideal.
Esses momentos podem ser facilmente
verificados através dos seguintes questionamentos:
Como pode haver um fruto proibido
num mundo livre, perfeito e ideal?
Como num mundo harmonioso, homogêneo
e integrado uma parte pode ser destacada e ficar inacessível às demais?
Como ordens até então seguidas
regiamente, num instante passam a ser desrespeitadas e desobedecidas por
integrantes fiéis e inocentes desse todo?
Como o homem, estando pleno e
realizado, pôde ansiar e ser tentado por algo?
Como de um criador perfeito e divino
pode nascer à imperfeição com todos os seus males e desvios?
E, como pode existir o “além” do Paraíso,
se este era pleno, perfeito e completo?
Essas indagações incitam uma
observação mais atenta e apurada acerca das incongruências lógicas que compõem
o mito. E essas incongruências não foram resultado de um fato verdadeiro, mas,
antes, de algo proposital, tendo como finalidade criar o caos e a confusão na
cabeça dos homens.
Quando você perde o rumo, se sente
num labirinto, fica totalmente à mercê da situação. Fica frágil, indefeso e
inteiramente cego perante o futuro. Isso nos imobiliza e nos causa um temor
estagnante. Essa condição é efeito de um passado mal resolvido. Essa falta de
clareza acerca das reminiscências cria uma ausência de identidade que termina
por deixar as pessoas reféns de qualquer tipo de esperanças, verdadeiras ou
não. Daí se origina a possibilidade da formulação de esquematizações que ocupem
o vácuo deixado pelo passado mal compreendido, resultados de mitos obsoletos,
construídos com o objetivo do condicionamento e da manipulação da espécie. É
exatamente essa bagunça que o sistema busca causar através do mito do Pecado
Original. O que restou para a humanidade: culpa, incompreensão, dúvidas e insatisfação.
Nas próximas postagens continuaremos
a análise do Mito do Pecado Original.
Abraços
Fernando
Manarim
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