DIVINIZAÇÃO DO SISTEMA
Uma das principais mensagens deixada
pelo Pecado Original foi de nos apresentar o criador como um autor falível,
limítrofe e errático. Que mesmo com toda a sua pujança, domínio e autoridade
era, simultaneamente, capaz de realizar atos atrozes, duvidosos e surreais em
relação à sua própria autoria.
Fica claro constatar que tal acontecimento
é falho, absurdo e impossível, pois não existe a menor probabilidade de que do
perfeito nasça do imperfeito, que do infinito se origine o finito e que do
justo emerja o injusto.
Então, por que o criador nos foi
apresentado de forma tão disforme e monstruosa? Qual o verdadeiro motivo para
tamanha falácia e descaracterização?
Sem dúvida, um dos principais
objetivos visados era o de apresentar o criador como algo análogo ao sistema.
Ele o refletiria e o representaria através de sua constituição; seria sua
“imagem e semelhança”.
Por isso o Deus que adoramos não é
aquele que criou o Paraíso, mas, uma mera cópia esboçada do próprio sistema:
falível, vingativo, violento, rígido e castrador; que sempre “escreve certo por
linhas tortas”. Este criador é mais um instrumento desenvolvido para a
manutenção da hegemonia do sistema sobre o ser humano e nada mais.
Tanto isso é verdade que a partir
desse mito, o ser humano passou a viver apenas e tão somente para alimentar,
servir e sustentar o sistema; e não o contrário, algo mais lógico e plausível.
Foi através do mito, que essa inversão foi inculcada, estabelecida e legitimada
como única história oficial e verdadeira.
Com a imposição de tal engodo as
coisas atingiram um patamar mais importante que o ser; a parte passou a imperar
sobre o todo e este passou a existir em função de realizar os desejos de
determinada parte mal direcionada e esquizofrênica.
Pelo menos assim nos foi apresentado o
Pecado Original: marco inicial e divisório do surgimento de um novo tempo, onde
o sistema se transformou em soberano de tudo e de todos.
Compartilho do pressuposto que o Mito
do Pecado Original foi gestado com a intenção prioritária e subliminar de
amoldar, propagar e exaltar a idéia do sistema como verdadeiro e único Deus da
humanidade. E é dentro dessa distorção ditatorial-monoteísta, dessa aversão
metódica de subjugar o homem a segundo plano, que proponho uma releitura do
mito baseado na constituição, desenvolvimento e objetivo desse sobejado sistema
que aqui se expõe e se evidencia de maneira metafórica.
O primeiro ponto a ser destacado e
observado atentamente é a parte referente à culpabilidade da mulher na expulsão
da espécie humana do Paraíso; isso pelo fato de ter mordido primeiramente o
fruto proibido e, por conseguinte, ter seduzido propositalmente o homem a
cometer o mesmo crime e sofrer das mesmas penas e punições.
É como se imputássemos a alcunha de
ladrão a alguém antes mesmo de haver aparecido o conceito de propriedade; que
designássemos qualquer um de mentiroso antes mesmo de existir a concepção de
verdade. Algo inverossímil, ilógico e cruel por antecipar o inexistente e o
impossível. Artifício típico engendrado e utilizado pelo sistema para fixar
determinado padrão para sua total realização.
Algo leviano, covarde e manipulatório
por direcionar as pessoas a crerem fervorosamente em aberrações fantasiosas com
o objetivo de distorcer e pré-determinar assertivas irreais e especulativas que
nada tem a ver com a realidade dos seres e do todo. Quimeras e caprichos
inventariados e desenvolvidos pelo sistema com o intuito único e exclusivo de
sua eternização no poder.
Por causa dessa acusação injusta e
infundada, a mulher foi relegada a um segundo plano; destinada a uma existência
subserviente e servil, acompanhando e auxiliando silenciosamente na penumbra o
homem, primogênito eleito e preferido do Deus-Sistema, responsável, entre
outros tantos feitos, pelo surgimento da mulher.
Ao assumirem tal culpa as mulheres
pagaram um preço muito alto, pois passaram por diversos martírios e flagelos
“divinos”, com o objetivo penal de purgamento para sua redenção e salvação.
Como apontar a culpabilidade a um dos
gêneros humanos se no Paraíso tudo era harmônico, perfeito e justo? Como acusar
a mulher de tal delito, se até então não existia nenhum tipo de subdivisão na
espécie humana? Qual o verdadeiro motivo por trás da imolação da mulher como
principal “bode expiatório” da história? Como julgar a parte se o criador,
único responsável pela construção do todo, permitiu tal desvio de conduta?
É óbvio que tal estória foi concebida
única e exclusivamente para adequar e condicionar à humanidade a estrutura
forjada pelo sistema. Todo o mito do Pecado Original foi um projeto arquitetado
para justificar e explicar todos os erros e acertos, mandos e desmandos,
privilégios e injustiças que sustentam toda a divisão social e toda hierarquia
de valores inculcados à nossa espécie.
Toda essa alegoria bíblica foi
construída para a deusificação e divinização do sistema; para acatarmos e
aceitarmos todos os seus pontos como verdades infalíveis e inquestionáveis.
Para que concordemos com todos os preconceitos e pré-julgamentos sociais,
raciais, sexuais e culturais sustentados e realizados cotidianamente através de
nossas ações e atos conveniados com toda essa estrutura imoral, superficial,
artificial e injusta que nos agride, nos violenta e nos nega em toda nossa
substancialidade natural de ser humano.
Eis o verdadeiro motivo de toda essa
discriminação que o gênero feminino vem sofrendo desde então: uma discriminação
fabricada, mantida e imposta à espécie humana, independente da sua vontade; que
acaba por nos separar e nos cindir, fazendo com que passemos nossa vida em
constante contradição com nossa verdadeira natureza e com o todo em geral.
Na próxima postagem abordaremos o
segundo ponto a ser atacado e aviltado pelo mito do Pecado Original, que é a discriminação
ao conhecimento.
Abraços!
Fernando
Manarim
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